Estruturalismo - júlio césar

17/09/2011 17:24

 

O professor Mattoso Camara Júnior, em seu Dicionário de linguística e gramática define linguística como o estudo científico e desinteressado dos fenômenos linguísticos. Na verdade, a linguística só foi adquirir status de ciência a partir do século XIX. Até então, o que havia era o estudo assistemático e irregular dos fatos da linguagem, de caráter puramente normativo ou prescritivo, ou ainda, retrocedendo à Antiguidade grega, especulações filosóficas sobre a origem da linguagem mescladas com estudos de filologia. Em uma de suas acepções, estruturalismo é toda abordagem de análise que define os fatos lingüísticos a partir das noções saussurianas de estrutura e de sistema. (Dicionário Houaiss da língua portuguesa). Ferdinand de Saussure, que nasceu no dia 26 de novembro de 1857, em Genebra, contribuiu de sobremaneira para dar uma nova concepção ao estudo científico da linguagem. Suas ideias e dicotomias são, até hoje, estudadas por aqueles que desejam compreender a importância de sua obra.

Para que as entendamos, devemos, em primeiro lugar, responder a alguns questionamentos que serão importantes para um melhor esclarecimento. Isso significa que a distinção entre linguagem, língua e fala é essencial para que se defina o verdadeiro objeto de estudo da linguística. Para Saussure, linguagem é a capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los, isto é, a principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido. De acordo com ele, a língua seria o verdadeiro objeto de estudo da linguística não somente por sua característica sistemática e homogênea, mas também por sua parte social. Língua, nesse contexto, deve ser entendida como produto social da faculdade da linguagem e só existe na massa.

A Linguagem tem um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o outro. (Saussure, 1995, p.16).

Diante dessa breve exposição, iniciaremos os estudos, partindo da primeira dicotomia,

língua / fala. O que o autor chamou de língua é qualquer língua particular que seja de posse comum a todos os membros de uma comunidade lingüística determinada; ou seja, a todos os que dizem falar a mesma língua, o produto social da faculdade da linguagem que só existe na massa, ele é imposto como um código ao qual se deve obrigatoriamente seguir.

Podemos caracterizá-la, também, como a linguagem de um povo (sistema), homogênea, de caráter público, exterior ao indivíduo, que não pode criá-la nem modificá-la. Ela pertence a toda a comunidade de falantes que a utiliza como meio de comunicação.

Fala, dentro da compreensão de Saussure, nada mais é do que a realização individual da língua, de caráter privado, pertencente ao indivíduo que a utiliza.

Em suma, pessoas que falam a mesma língua conseguem se comunicar porque, apesar das diferentes falas, há o uso da mesma língua.   

Diante dessas informações, Saussure questiona e ao mesmo tempo dar a resposta a esse questionamento: Mas o que é língua?

Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Tomada em seu todo, a linguagem é multiforme e heteróclita; o cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, ela pertence, além disso, ao domínio individual e ao domínio social; não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como inferir sua unidade.(Saussure, 1995, p.17). 

O autor encerra as argumentações a respeito afirmando que:

Com o separar a língua da fala, separa-se ao mesmo tempo: 1.º o que é social do que é individual; 2.º o que é essencial do que é acessório e mais ou menos acidental. (Saussure, 1995, p.22). 

A segunda dicotomia de Saussure diz respeito à relação sincrônica / diacrônica.

Sincronia é um termo adotado por Saussure para designar a concatenação dos fatos de uma língua num momento dado de sua história. Eles se apresentam num conjunto de correlações e oposições que constitui um estado lingüístico, onde é apreensível uma estrutura. Cita como exemplo, a correlação semântica, saber / conhecer; assim como a oposição semântica, saber / ignorar.  No tocante a diacronia, Saussure a define para designar a transmissão de uma língua, de geração em geração, através do tempo, sofrendo nesse transcurso mudanças em todos os níveis, cujo conjunto constitui a evolução lingüística.

Como exemplo, mostra o caso do verbo, por, que em latim significava ponere, passando para o português antigo como poer, tendo em seguida sido transformado em pôr. Isto é, fazendo um estudo diacrônico do verbo pôr, percebe-se as alterações ocorridas ao longo desse processo.

Rompendo radicalmente com a tradição dos neogramáticos, Saussure confere prioridade à pesquisa descritiva (sincrônica), em detrimento da pesquisa histórica (diacrônica). Até então, todos os linguistas da escola comparativista faziam apenas diacronia, com exagero e até mutilação, porque manipulavam-na como um fim em si mesma, ignorando os estudos sincrônicos. Contra tal estado de coisas Saussure se insurgiu frontal e veementemente:

Poucos linguistas percebem que a interferência do fator tempo é de molde a criar, para a linguística, dificuldades particulares, e que ela lhes coloca a ciência frente a duas rotas absolutamente divergentes. (Saussure, 1995, p.94).

A terceira dicotomia refere-se à oposição sintagma / paradigma.

Para Saussure, as relações sintagmáticas baseiam-se no caráter linear do signo linguístico, que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo. A língua é formada de elementos que se sucedem um após o outro linearmente, isto é, na cadeia da fala. À relação entre esses elementos Saussure chama de sintagma. Colocado na cadeia sintagmática, um termo passa a ter valor em virtude do contraste que estabelece com aquele que o precede ou lhe sucede, ou a ambos, visto que um termo não pode aparecer ao mesmo tempo que outro, devido ao seu caráter linear.

O sintagma se compõe sempre de duas ou mais unidades consecutivas (por exemplo: re-ler, contra todos; a vida humana, Deus é bom; se fizer bom tempo, sairemos etc.). (Saussure, 1995, p.142). 

Paradigma, para o autor, é o conjunto de formas lingüísticas que se associam por um traço lingüístico permanente, que é o denominador comum de todas elas. Isto é, o eixo paradigmático trabalha com relações baseadas na seleção de elementos que são combinados (relações associativas).  É o material disponível na mente do falante para escolha e, por ser um eixo de possibilidades, é representado por uma linha pontilhada) No paradigma, associam-se elementos que podem figurar no mesmo ponto do enunciado, se o sentido for outro.  É um espaço virtual em que se localizam as possibilidades fornecidas pela língua. Por estar relacionada à seleção de elementos, a relação paradigmática ocorre em ausência: a escolha de um elemento exclui os demais. A oposição aqui é distintiva: um elemento do paradigma se distingue em relação ao outro.

Por fim, temos a noção de signo linguístico proposto por Saussure que o define como um sistema de signos formados pela união do sentido e da imagem acústica. Verifica-se que o que Saussure chama de sentido é a mesma coisa que conceito ou ideia. Em outras palavras, para Saussure, conceito é sinônimo de significado, algo como o lado espiritual da palavra, sua contraparte inteligível, em oposição ao significante, que é sua parte sensível.  Por outro lado, a imagem acústica não é o som material, mas a impressão psíquica desse som.

Com relação à comunidade lingüística que o emprega o signo é imposto: a língua coloca-se sempre como uma herança da época precedente. Assim, da maneira que está sendo exposto, o signo linguístico exibe duas características primordiais que serão apresentadas a seguir: a primeira é a de que:

O laço que une o significante ao significado é arbitrário ou então, visto que entendemos por signo o total resultante da associação de um significante com um significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo linguístico é arbitrário. (Saussure, 1995, p.81). 

Para ele, arbitrário:

Não deve dar a ideia de que o significado dependa da livre escolha do que fala, [porque] não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo linguístico; queremos dizer que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade. (Saussure, 1995, p.83). 

Saussure quer dizer que nada pode ser alterado na relação significante / significado, pois ele é social. Ao usar a língua, o indivíduo quer comunicar suas ideias e, por isso, precisa utilizar o sistema da língua da mesma forma que os indivíduos que o cercam.

Apesar de haver postulado que o signo linguístico é, em sua origem, arbitrário, Saussure não deixa de reconhecer a possibilidade de existência de certos graus de motivação entre significante e significado:

O princípio fundamental da arbitrariedade do signo não impede distinguir, em cada língua, o que é radicalmente arbitrário, vale dizer, imotivado, daquilo que só o é relativamente. Apenas uma parte dos signos é absolutamente arbitrária; em outra, intervém um fenômeno que permite reconhecer graus no arbitrário sem suprimi-lo: o signo pode ser relativamente motivado. (Saussure, 1995, p.152). 

Em coerência com o seu ponto de vista dicotômico, Saussure propõe a existência de um arbitrário absoluto e de um arbitrário relativo. Como exemplo de arbitrário absoluto, o mestre de Genebra cita os números dez e nove, tomados individualmente, e nos quais a relação entre o significante e o significado seria totalmente arbitrária, isto é, essa relação não é necessária, é imotivada. Já na combinação de dez com nove para formar um terceiro signo, a dezena dezenove, Saussure acha que a arbitrariedade absoluta original dos dois numerais se apresenta relativamente atenuada, dando lugar àquilo que ele classificou como arbitrariedade relativa, pois do conhecimento da significação das parte pode-se chegar à significação do todo.

A segunda característica é o caráter linear do significante. 

O significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo: a) representa uma extensão, e b) essa extensão é mensurável numa só dimensão: é uma linha. (Saussure, 1995, p.84). 

Do enunciado saussuriano depreendemos que somente a parte material do signo - o significante - é linear e que o pensamento, em si mesmo, não tem partes, não é sucessivo, só o sendo quando se concretiza através das formas fônicas lineares do significante. Aqui caberia compararmos o pensamento a uma tela, em que todos os elementos aparecem simultaneamente, formando um todo. Tal fato (a simultaneidade) já não é possível numa poesia, por exemplo, seja ela declamada ou lida silenciosamente.

Aliás, esse exemplo fundamenta com bastante clareza o princípio da linearidade do significante como afirma Saussure:

[...] Os significantes acústicos dispõem apenas da linha do tempo; seus elementos se apresentam um após o outro; formam uma cadeia. Esse caráter aparece imediatamente quando os representamos pela escrita e substituímos a sucessão do tempo pela linha espacial dos signos gráficos. (Saussure, 1995, p.84). 

Por fim, cabe citar aqui a advertência do próprio Saussure sobre a relevância dessa segunda característica do signo linguístico para uma teoria estruturalista da linguagem:

Esse princípio é evidente, mas parece que sempre se negligenciou enuncia-lo, sem dúvida porque foi considerado demasiadamente simples; todavia, ele é fundamental e suas consequências são incalculáveis [de fato, na época, o eram]; sua importância é igual à da primeira lei [a da arbitrariedade do signo]. Todo o mecanismo da língua depende dele. (Saussure, 1995, p.84). 

Hoje, mais de meio século depois, Saussure é estudado com o respeito, o cuidado e a atenção que merecem os gênios. Todos quantos se aprofundam na pesquisa de suas postulações adquirem consciência da importância do Cours para a Linguística moderna e passam a compreender porque Saussure é considerado um divisor de águas no estudo científico da linguagem.

 

 

 BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

 

SAUSSURE, Ferdinand de. Capítulo IV – Linguística da língua e linguística da fala (Introdução). In. _____. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1995.

 

SAUSSURE, Ferdinand de. Capítulo I – Natureza do signo lingüístico (Primeira parte: princípios gerais). In. ___Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1995.

 

SAUSSURE, Ferdinand de. Capítulo IV – O valor lingüístico (Segunda parte: Linguística sincrônica). In. ___Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1995.

 

SAUSSURE, Ferdinand de. Capítulo II – Imutabilidade e mutabilidade do signo linguístico. (Primeira parte: princípios gerais). In. ___Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1995.

 

CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure: fundamentos e visão crítica / Castelar de Carvalho. – 12ª. ed. rev. e ampl. com exercícios e um estudo sobre as escolas estruturalistas. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. 

 

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